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Apesar de todas as perdas, de forma geral, que a pessoa com demência acaba por desenvolver; apesar de a pessoa poder parecer uma ilha no meio do nada e sem nada; apesar de a pessoa poder sofrer prejuízos  na própria mente; apesar de a pessoa poder se sentir perdida, inferiorizada, esmagada ou à deriva num mar sem rumo, a verdade é que "nunca nos transformamos numa tábua rasa" (Oliver Sacks)

 

Até mesmo num estado de demência avançada, as marcas da personalidade e as caracteristicas pessoais (o self) de cada um, escapam. 

O papel terapêutico da

música

Revisões literárias na área da musicoterapia e demência, publicadas desde 1985, sugerem que a musicoterapia é uma intervenção eficiente na manutenção e improvisamento do envolvimento ativo, social, emocional, das capacidades cognitivas, e no decréscimo dos comportamentos problemáticos dos indivíduos com demências.

A musicoterapia visa então dirigir-se ao self sobrevivente de cada um, com o objectivo de o trazer, nem que por breves instantes, de volta ao mundo.

 

"Este objectivo pode parecer extremamente ambicioso - quase impossível, dir-se-ia, quando vemos pacientes que sofrem de demência avançada, sentados num torpor aparentemente vazio, privado de actividade mental, ou agitados e gritando numa infelicidade incomunicável. Mas a musicoterapia é possível nestes pecientes porque a percepção musical, a sensibilade musical, a emoção musical e a memória musical podem sobreviver muito depois de as outras formas de memória terem desparecido."

Sacks, O., Musicofilia, (p. 338)

 

Testemunho: "Embora a minha mulher sofra de Alzheimer - e o diagnóstico date pelo menos de há sete anos - a sua personalidade fundamental miraculosamente mantém-se (...) Toca piano várias horas por dia, e muito bem. A sua ambição do momento é conseguir memorizar o Concerto para Piano em Lá menor de Shumann."

"A MÚSICA É UMA DAS POUCAS COISAS QUE O MANTÉM LIGADO A ESTE MUNDO."

Sacks, O. Musicofilia, (pag.340)

Entendemos aqui que há factores da memória procedimental que se mantêm intatos, apesar de todas as perdas que a pessoa com demência possa vir a ter no decorrer da doença.

Perde-se o sentido de orientação, mas mantêm-se as formas mais enraizadas do carácter pessoal que nos distingue do resto do mundo. Estas permanecem a um nível bastante penetrante e antiquado no self de cada um de nós. 

Podemos até mesmo não reconhecer um objecto que nos foi muito familiar, mas, se o colocarem a nossa frente poderemos saber como fazer uso dele. (uma pessoa que sofra de algum tipo de demência que, numa fase mais avançada da doença, perdeu a capacidade de reconhecer os objectos ou as pessoas, pode não saber o que é uma bola, por exemplo, mas poderá saber servir-se dela)

O conforto que o cantar pode proporcionar a uma pessoa com demência é ainda acompanhado por outras sensações ou estímulos: sentido de humor, imaginação, criatividade, emoção e também os seus sentimentos de identidade, de "self".

 

O facto de a música conseguir despertar algo adormecido dentro da pessoa com demência é, já por si, um facto extraordinário.

 

 

 

 

MUSICOTERAPIA pode ser realizada individual ou coletivamente. Podem existir casos de pessoas que, no seu pequeno mundo, ao ouvirem uma canção conseguem se libertar entrando no mundo da música e estabelecendo uma relação com o terapeuta. Ao ouvi-la, a pessoa solta-se e anima-se de forma quase automática, como se o terapeuta tivesse conseguido ligar um botão que permanecera desligado ou estragado na pessoa com demência. Este botão, foi a música.

 

Estas reações à música por vezes podem também surgir em grupo. Começa com um indivíduo a acompanhar a música, passa para outro e outro uma vez mais, e no fim é como se todos estivessem num concerto ou num salão de dança. 

​Este ambiente é saudável no sentido de criar um sentimento de grupo, como se estivessem todos a remar na mesma direção e para um mesmo objetivo - ter um escape da doença.

 

Na música vemos um poder extraordinário de trazer ao mundo sequências ou acções recalcadas pela doença

 

 

 

"(...) aquilo que faço é intervir como um abre-latas das memórias das pessoas." - Gretta Sculthorp (musicoterapeuta australiana) in Sacks, O. Musicofilia (pag. 345)

Funcionam como impressões que nos são fixadas no nosso carácter de tal maneira que tornam-se impossíveis de desaparecer. 

 

Uma das marcas que ficam pregadas na nossa vida, é a nossa capacidade de resposta à música.​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​

 

 

 

 

 

"WOODDY PARECIA MAIS "PRESENTE" QUANDO CANTAVA DO QUE EM QUALQUER OUTRA OCASIÃO" Sacks, O. Musicofilia, pag.342

"Na síndrome de Korsakov, na demência ou catátrofes semelhantes, por muito grandes que sejam as lesões orgânicas (...) permanece intacta a possibilidade de reintegração através da arte, da comunhão, da profundidade do espírito humano. Tudo isto pode ser mantido intacto no que à partida parece ser um caso desesperado de devastação neurológica." 

Sacks, O. O homem que confundiu a mulher com o chapéu (p.54) 

Sacks, O. (2007) Musicofilia. Lisboa: Relógio D'Água Editores

 

Sacks, O. (1985) O Homem que Confundiu a Mulher com um Chapéu. Lisboa: Relógio D'Água Editores

 

Koger, S.M., Chapin, K. & Brotons, M. (1999). Is Music Therapy an Effective Intervention for Dementia? A Meta-Analytic Review of Literature. Journal of Music Therapy, XXXVI (1), pp. 2-15

 

"Toda a doença é um problema musical, toda a cura é uma solução musical." Novalis 

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